segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Diana Macedo - 3º Trabalho de reflexão filosófica

“A Problematicidade dos Valores”

Diana Macedo
Nº 8

10º A


Desde os tempos mais remotos que o ser humano sente a necessidade de atribuir um determinado valor a todos os objectos e situações. De facto, os valores têm um papel fundamental e imprescindível na vida humana, uma vez que eles funcionam como uma bússola da acção humana, influenciando as nossas decisões, os nossos projectos de vida e até a nossa visão sobre a sociedade e este complexo mundo que nos rodeia. Um mundo desprovido de valores não deixaria assim lugar para a existência humana, visto que a prática constante da valoração é uma das condições inerentes a esta. A tudo aquilo que observamos ou sentimos atribuímos imediatamente um valor e é este que irá guiar as nossas futuras acções relativamente ao objecto valorado. No entanto, à medida que a nossa experiência valorativa aumenta, rapidamente nos apercebemos de que, perante um mesmo objecto, diferentes pessoas fazem diferentes valorações, consoante as suas preferências ou interesses. Por outro lado, certos objectos e situações parecem ser inerentes a um mesmo e único valor, independentemente do indivíduo que proceda a tal valoração. Esta divergência no que toca à natureza de um dos alicerces no qual assenta a existência humana conduz-nos assim a um verdadeiro e real problema filosófico, cujas múltiplas e indefinidas respostas este texto se propõe a analisar e esclarecer.
Em primeiro lugar, é fundamental evidenciar a diferença que se estabeleceu entre as definições de facto e valor. Todos os homens, na sua vida quotidiana, expressam constantemente os seus sentimentos e sensações relativamente aos objectos, situações e pessoas com os quais estão em contacto. Porém, nem todos os juízos a que recorremos para dar voz às nossas vivências interiores se tratam efectivamente de valorações. Quando descrevemos algo de uma forma clara e objectiva, independente de quaisquer preferências ou apreciações estamos a realizar um juízo de facto, o qual não deve ser confundido com juízo de valor, que se reporta a avaliações subjectivas da realidade, não verificáveis empiricamente.
Esta distinção mostra-nos assim a subjectividade à qual os valores estão vulgarmente associados, devido às divergências de valorações. Contudo, existem também indícios no nosso quotidiano que nos levam a crer na objectividade dos valores, e é esta antítese que constitui a essência do problema da natureza dos valores. Afinal, serão os valores subjectivos e portanto totalmente dependentes da existência humana e dos gostos e interesses de cada um, ou objectivos, com uma existência exterior e independente da mente humana? Analogamente, poderíamos questionar: será que as coisas valem porque as desejamos ou desejamo-las porque valem?
Em resposta a este complexo e filosófico problema surgiram então três diferentes definições de valor, que procuram explicar as provas e indícios encontrados na nossa vida do dia-a-dia à luz de determinada teoria, que irá assumir os valores como objectivos ou subjectivos.
A perspectiva que talvez se enquadre melhor na crença comum da subjectividade dos valores é designada por psicologismo. De acordo com esta definição, o valor é uma vivência exclusivamente pessoal, correspondendo ao sentimento ou emoção, resultante do nosso estado psicológico, que determinado objecto provoca em nós e que apenas depende das nossas preferências, dos nossos interesses e da nossa experiência valorativa. Os valores são assim meramente subjectivos, sendo aceitáveis quaisquer juízos de valor, na medida em que estes expressam diferentes visões da realidade.
No entanto, a defesa exclusiva da subjectividade dos valores não é de modo algum compatível com os fundamentos da sociedade actual. Sem a convicção de uma objectividade, ainda que parcial, dos valores, como se poderia castigar qualquer tipo de crime ou acção injusta? Ou até porque havíamos nós de confiar no que a ciência nos revela? Todas as justificações não passariam de diferentes pontos de vista, dependentes das visões de diferentes sujeitos. A distinção entre teoria bem fundada e opinião irresponsável confundia-se com uma simples diferença entre dois modos diferentes de olhar o mundo.
Além disso, apoiando esta posição, como se poderia explicar a permanência dos mesmos valores ao longo de diferentes épocas históricas e entre diferentes povos que nunca comunicaram entre si? Ao fim de contas, os valores seriam apenas fruto da experiência pessoal e esta é completamente irrepetível.
Portanto, apesar desta perspectiva ser apoiada pelas divergências de valorações relativamente a alguns objectos, parece evidente a existência de alguma objectividade inerentes aos valores. Aliás, porque até as leis da nossa sociedade se baseiam nesta objectividade.
Relacionada também com o psicologismo existe uma outra perspectiva filosófica designada por emotivismo, que entende os valores como expressões das nossas emoções, sentimentos e atitudes. Obviamente que esta posição, aproximando-se bastante da referida anteriormente comporta os mesmos argumentos e contra- -argumentos.
Se assumirmos a objectividade dos valores, deparamo-nos com duas outras definições de valor, nomeadamente o naturalismo e o ontologismo.
A primeira define os valores como qualidades intrínsecas a todas as coisas, o que justifica o consenso existente em tantas valorações. De facto, sempre que se depara com situações de violência domésticas, pedofilia, escravatura e outros múltiplos crimes, a maioria das pessoas reage negativamente, avaliando estas práticas como intoleráveis, absolutamente injustas e de uma extrema crueldade. Nestes exemplos, as próprias situações parecem estar elas próprias associadas a valores de maldade e injustiça. Mesmo no âmbito da estética, muitas obras de arte parecem transportar em si mesmo a beleza e a harmonia, sendo universalmente consideradas como belas e graciosas.
Todavia, os argumentos utilizados a favor do psicologismo, que se baseavam nos desacordos entre as pessoas quanto à valoração de um mesmo objecto, podem agora constituir os contra-argumentos ao naturalismo. Apesar desta ser uma tese bastante plausível apoiada não só por factos verídicos mas também por convicções da sociedade, a verdade é que ela não consegue explicar as divergências de valorações relativamente a determinados objectos. Além do mais, também não nos é possível observar directamente as qualidades que se julgam intrínsecas aos objectos nos próprios objectos.
Finalmente, uma terceira e última posição conhecida como ontologismo define os valores como ideias independentes dos objectos, que existem num mundo imaterial, diferente do mundo real e humano. O mais antigo representante desta teoria foi precisamente Platão, o qual acreditava na existência de um “mundo das ideias”, onde todos os valores e conceitos assumiam uma forma ideal, perfeita e imutável. Uma vez que Platão pressupunha a imortalidade da alma, ele julgava que, antes de reencarnar num corpo físico, esta tinha tido a oportunidade de contemplar frente a frente as ideias que habitavam este mundo inteligível e imaterial. Contudo, na reencarnação, a alma tinha baralhado muitas das ideias, relembrando-as de uma forma algo confusa e enevoada, o que justica as diferenças de valoração encontradas neste mundo sensível e físico.
Apesar desta perspectiva apresentar aparentemente uma justificação para todos os factos de que temos conhecimento, o certo é que não conseguimos provar nem a existência de tal mundo imaterial nem a existência de uma alma imortal. Actualmente, o ser humano ainda não consegue conceber a coexistência de dois mundos distintos (o físico e o imaterial), razão pela qual o ontologismo se nos afigura uma perspectiva tão fantástica.
Como vimos, todas estas definições de valor, sendo mais ou menos plausíveis, comportam certas falhas, que mantêm a problematicidade desta questão. Assim, na tentativa de encontrar uma solução definitiva para este problema, criou-se uma outra posição denominada por relativismo axiológico. Segundo esta perspectiva, o valor não é objectivo, nem puramente pessoal. Ele é, pelo contrário, uma vivência colectiva, produto dos costumes e tradições de uma mesma cultura e sociedade. Assim, os valores estão dependentes da época histórica e da cultura, sendo partilhados por todos os indivíduos que nelas estejam inseridos.
Se é verdade que, por um lado, não podemos negar que os valores acompanham as culturas das sociedades humanas, por outro, existem certos valores que se encontram presentes em diferentes épocas históricas, facto este que serve de crítica ao relativismo axiológico.
Com tudo isto, o problema da natureza dos valores continua por resolver, revelando-se um verdadeiro problema filosófico. De facto, ele possui todas as características inerentes aos problemas filosóficos: é intemporal, na medida em que tem mantido a sua pertinência ao longo dos tempos; é universal, pois diz respeito a todos os homens independentemente da sua cultura ou época histórica; é problemático, pois como vimos não tem ainda uma solução absolutamente correcta e definitiva; e é radical, uma vez que procura esclarecer um dos fundamentos em que assenta a realidade.
Para finalizar, gostaria ainda de salientar uma outra vertente problemática dos valores, que diz respeito à sua hierarquização. Para nos orientarmos na vida, todos nós somos obrigados a construir uma escala de valores, que irá condicionar as nossas acções e decisões. No entanto, nem todos ordenam os valores da mesma maneira, o que pode trazer graves consequências à sociedade. Um indíviduo que tenha na base da sua hierarquia o valor do respeito pela vida humana constituirá certamente uma ameaça para os seres humanos que o rodeiam, da mesma forma que um indivíduo que privilegie o valor do dinheiro poderá ser capaz das maiores atrocidades só para poder enriquecer.
Em suma, a temática dos valores é bastante problemática devido a todas as incertezas que ainda persistem relativamente à sua natureza e correcta hierarquização. A meu ver, há determinados valores que poderão ser entendidos como subjectivos, mas a maior parte é caracterizada por uma intensa objectividade. Os valores da justiça e do bem ilustram claramente esta independência dos valores em relação às opiniões de diferentes sujeitos. Seguindo este raciocínio, também existe, de algum modo, uma hierarquia de valores mais correcta, que deveria servir como modelo. Ainda que alguns valores possam ocupar posições diferentes noutras hierarquias, os valores éticos e úteis, por exemplo, devem sempre constituir o topo e a base da pirâmide, respectivamente. A acrescentar a esta problematicidade inerente à definição de valor, temos ainda o papel fundamental que os valores têm na vida humana. Estes tornam a vida algo digno de ser vivido e é isso que lhes confere uma grande problematicidade.

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