quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A "criança selvagem" de Aveyron

O “menino selvagem” de Aveyron
Em AEC 01, Antropologia, Psicologia e Sociologia, Sociologia, Área de Estudos da Comunidade Outubro 1, 2008 às 12:19 am

A 9 de Janeiro de 1800, uma criatura estranha surgiu dos bosques perto da aldeia de Saint-Serin, no sul de França. Apesar do seu andar erecto, parecia mais um animal do que um ser humano, embora tenha sido de pronto identificado como um rapaz de onze ou doze anos. Expressava-se por guinchos, emitindo gritos agudos. Aparentemente, o rapaz não sabia o que era higiene pessoal e aliviava-se quando e onde era sua vontade. Foi entregue às auto¬ridades locais e transportado para um orfanato das redondezas. No início, tentava fugir cons¬tantemente, sendo capturado com alguma dificuldade. Recusava-se a usar roupas, que rasgava mal o obrigavam a vestir. Nunca ninguém apareceu a reclamar a sua paternidade.
A criança foi sujeita a um completo exame médico, que concluiu não existirem defi-ciências de maior. Quando lhe foi mostrado a sua imagem reflectida num espelho, apesar de visualizar uma imagem, não se reconheceu nela. Certa vez, tentou agarrar uma batata que viu reflectida no espelho (quando na realidade a batata estava a ser segura por trás da sua cabeça). Depois de várias tentativas, sem que tivesse virado a cabeça, apanhou a batata alcançando-a por trás do ombro. Um padre, que observou o rapaz diariamente, descreveu o incidente da batata do seguinte modo:

Todos estes pequenos detalhes, e muitos outros que poderíamos acrescentar, provam que esta criança não é totalmente desprovida de inteligência, reflexão e poder de raciocínio. Porém. somos obrigados a admitir que, em todos os aspectos que não dizem respeito às suas necessidades naturais ou de satisfação do seu apetite, apenas se observa nele um comportamento animal. Se tem sensações, estas não originam nenhuma ideia. Ele nem sequer as consegue relacionar. Poderia dizer-se que não há qualquer relação entre a sua alma ou mente e o seu corpo (Shattuk. 1980. p. 69: ver também Lane, 1976).

Mais tarde o rapaz seria levado para Paris e foram feitas tentativas sistemáticas de o transformar “de animal em humano”. O esforço só em parte foi um sucesso. Ensinaram-lhe a usar a casa-de-banho, passou a aceitar usar roupas e aprendeu a vestir-se. Continuava, contudo, com um grande desinteresse por brinquedos e jogos, e nunca foi capaz de dominar mais do que algumas poucas palavras. Pelo que podemos saber, com base na descrição deta¬lhada do seu comportamento e reacções, isto não acontecia por ele ser mentalmente desfavo¬recido. Parecia incapaz ou sem vontade de dominar o discurso humano. Poucos mais progressos fez e acabou por morrer em 1828, com cerca de quarenta anos de idade.
Naturalmente, temos de ser cuidadosos na interpretação de casos deste género. É possí-vel que se tenha dado o caso de se tratar de uma deficiência mental não diagnosticada. Por outro lado, é possível que as experiências a que esta criança foi sujeita lhe tenham infligido danos psicológicos impeditivos de dominar práticas que a maioria das crianças adquire em tenra idade. Há, no entanto, semelhanças suficientes entre este caso histórico e outros que foram registados para que possamos sugerir o quão limitadas seriam as nossas faculdades na ausência de um longo período de socialização primária.


Anthony Giddens, “Sociologia”, Fundação Calouste Gulbenkian

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Relatório das aulas 71 e 72

Francisco Teixeira
Nº 9, Turma A




Relatório de aula

Aulas Nº 71 e 72


Iniciámos a aula por abrir a lição e definir o sumário e os objectivos da mesma.
De seguida concluímos o estudo da interculturalidade ao distinguirmos aquilo que é a tolerância relativista, daquilo que é a tolerância intercultural, e a professora, com a participação de turma, definia a primeira como passiva, indiferente e ilimitada, e a segunda como activa, preocupada e limitada.
Depois a professora leu o exercício 19 da página 23 do caderno de actividades, e após informar-nos mais sobre a mutilação genital feminina, mandou-nos pensar qual o ponto de vista que melhor responde a este problema (o etnocentrismo, o relativismo, ou a interculturalidade).

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Correcção do 3º teste

Escola Secundária com 3º ciclo D. Manuel I - Beja
Ano lectivo 2009 / 2010
FILOSOFIA
10º Ano, turma A

Correcção do 3º Teste de Avaliação – 4 Fev 2009

Grupo I
(5 pontos cada = 50 pontos)
1. D
2. A
3. D
4. G
5. F
6. E
7. F
8. D
9. A
10. E


Grupo II
1. “Este bolo é amargo” é um juízo de valor (5 pontos) porque avalia o sujeito “bolo” atribuindo-lhe um predicado (“amargo”) tal que não permite a verificação do valor de verdade do juízo. (10 pontos) Trata-se de uma apreciação subjectiva, dependente de quem prova o bolo e, portanto, discutível. (5 pontos)
2.1. O juízo apresentado é representativo de uma perspectiva axiológica objectivista (5 pontos), uma vez que nos apresenta um valor – a beleza – como uma qualidade que existe nos próprios objectos, independentemente da valoração humana. Do ponto de vista deste juízo, o valor existe na dependência dos objectos e não na dependência do sujeito humano, como pretende o subjectivismo axiológico. (15 pontos)
3. Os fundamentos do ontologismo platónico são a existência de um mundo imaterial, eterno e imutável das ideias entre as quais se encontram ideias de valores (10 pontos) e a existência de almas imortais originárias desse mundo inteligível, onde contemplaram os valores. (10 pontos)
4. O relativismo defende que cada cultura só deve ser avaliada a partir de dentro e, assim sendo, os juízos de valor de diferentes grupos culturais, por mais opostos que sejam, são igualmente válidos no seu contexto próprio. (10 pontos). Esta concepção relativista, claro está, é incompatível com uma concepção de juízos de valor absolutos: um juízo de valor não pode, ao mesmo tempo, ser verdadeiro independentemente dos contextos em que é enunciado e ter um valor de verdade relativo. (10 pontos)
5. O juízo a) - “A escravatura é uma prática horrenda que ainda hoje é praticada por alguns povos atrasados” - é o juízo etnocêntrico, porque o etnocentrismo é um ponto de vista sobre a diversidade cultural que toma como modelo de referência de práticas correctas a sua própria cultura. (10 pontos) Ao afirmar-se que a escravatura é uma prática horrenda e que os povos que a praticam são atrasados, alguém está a avaliar uma cultura diferente da sua a partir dos valores da sua própria cultura. (10 pontos)




Grupo III
(50 pontos)

Introdução (5 pontos)
Corpo de desenvolvimento (40 pontos):
- Correcta exposição de conteúdos adequados ao tema;
- Apropriação pessoal dos conteúdos;
- Opiniões fundamentadas;
- Relação coerente das ideias apresentadas;
Conclusão pessoal e/ou crítica (5 pontos)

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Relatório das aulas 67 e 68

Miguel Covas Lima
Nº18 Turma A

Relatório de aula

Aulas nº 67 e 68

02/02/2010



A aula foi iniciada com uma chamada oral, com o objectivo de fazer uma síntese dos conteúdos anteriormente leccionados, sendo preciso a sua compreensão para um melhor entendimento do que viriam a ser as tarefas propostas.
De seguida, foi assim apresentado o objectivo da aula, que passaria por comparar relativismo e interculturalidade. Sendo assim, a interculturalidade foi apresentada como uma alternativa ao relativismo, já que a posição deste não nos permite fundamentar convenientemente o modo como agir. Apesar do relativismo se encontrar, em princípio, em consonância com o modelo de sociedade multicultural, ele não nos parece ser capaz de responder eficazmente aos problemas concretos que a mesma comporta. Precisamente porque os problemas culturais parecem exigir outro tipo de resposta, surgem actualmente propostas que defendem o diálogo intercultural, a cooperação solidária e a defesa da dignidade humana como princípios universais.
Define-se, pois, uma nova atitude que pretende ser intercultural. Sendo assim, a interculturalidade segue determinados parâmetros: reconhece a natureza plural e diversificada da cultura humana, promove o contacto entre as diferentes culturas porque parte do pressuposto de que é possível a compreensão entre si, acredita que há vínculos que unem as diferentes comunidades, defende que é possível compartilhar valores e estabelecer normas de convivência, assumir a universalidade dos direitos humanos, exige a prevenção de conflitos e aposta na educação de valores universais. A interculturalidade promove assim a integração e a interacção, partindo do pressuposto de que a humanidade ganha com a diversidade cultural, propondo assim o contacto e o diálogo entre as diferentes culturas no sentido de estas se enriquecerem mutuamente.
De seguida analisámos o texto 16 da página 107, que apoia a tese da interculturalidade. Neste texto a filósofa francesa Monique Canto-Sperber apresenta uma crítica à atitude relativista: aceitar que cada cultura defina para si própria as suas normas, as suas regras e os seus horrores não é desejável. No entanto, não deixa de reconhecer a importância do contexto cultural. O universalismo que propõe não é o da definição de um conjunto de normas abstractas, sem conteúdo, isto é, sem considerar os valores, as crenças, as ideias (sempre diferentes) dos homens. É, pelo contrário, um universalismo que tem em conta o contexto (cultural, social, histórico) em que vivemos. Trata-se de uma solução intermédia, entre a tendência para defender apenas o contexto particular e cultural do indivíduo e a tendência, de algumas outras posições, para delimitar normas e princípios tão gerais e abstractos que são difíceis de concretizar na vida prática. A solução intermédia, proposta pela filósofa, assenta na ideia de que existe um conjunto de valores essenciais e universais, subjacente a todas as culturas, ainda que, considerando a diversidade de contextos, se manifeste de modos distintos.
Por fim, no último tempo de aula a professora decidiu tirar dúvidas que os alunos tivessem, já que o teste realizar-se-á na aula seguinte.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Relatório das aulas 65 e 66

Bento Caldeira de Quadros e Costa
Nº 6 10º A

Relatório de Aula
Aulas nº 65 e 66
28 de Janeiro de 2010





A aula foi iniciada como já vai sendo habitual com a indicação dos objectivos de aula. Neste dia os objectivos foram a questionação dos limites da tolerância e a relação entre critério universais, tolerância e juízos de valor absolutos.
Após a professora ter ditado os objectivos de aula, a professora questionou os alunos sobre alguns conteúdos trabalhados na aula passada. Neste caso estas questões foram sobre o significado de cultura e as manifestações culturais.
Realizámos ainda um pequeno esquema já envolvendo o primeiro objectivo da aula, sobre a valoração, onde se divide os juízos de valor em juízos de valor absolutos e juízos de valor relativos. Os juízos de valor absolutos são próprios de uma atitude etnocêntrica, que acredita na universalidade dos seus próprios valores culturais (o que é contraditório, porque estes são particulares, são os valores específicos de um grupo). Os juízos de valor relativos, como o próprio nome indica, são próprios de uma visão relativista da cultura. Se considerarmos um juízo de valor como absoluto, então o seu valor verdade será independente de quaisquer contextos. Se considerarmos um juízo de valor como relativo então afirmamos que a sua validade depende e varia conforme os contextos.
A multiculturalidade foi outro conceito que desenvolvemos nesta aula. Este indica-mos a co-existência de grupos culturais distintos. Por exemplo, numa grande cidade podemos encontrar várias culturas distintas.
O relativismo apela à tolerância. Sendo a tolerância defendida pelo relativismo pacífica, mas também passiva e indiferente. Criticámos esta noção de tolerância, afirmando a importância da tolerância ser activa e preocupada e afirmando também a importância de definir limites que nos indiquem até que ponto devemos ser tolerantes. Avançou-se a hipótese do limite da tolerância corresponder ao respeito pelos direitos humanos. Se assim for, podemos tolerar qualquer prática cultural, por muito estranha que nos pareça, desde que não viole direitos humanos. Esta crítica irá conduzir-nos ao estudo de uma terceira perspectiva: a multiculturalidade.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Diana Macedo - 3º Trabalho de reflexão filosófica

“A Problematicidade dos Valores”

Diana Macedo
Nº 8

10º A


Desde os tempos mais remotos que o ser humano sente a necessidade de atribuir um determinado valor a todos os objectos e situações. De facto, os valores têm um papel fundamental e imprescindível na vida humana, uma vez que eles funcionam como uma bússola da acção humana, influenciando as nossas decisões, os nossos projectos de vida e até a nossa visão sobre a sociedade e este complexo mundo que nos rodeia. Um mundo desprovido de valores não deixaria assim lugar para a existência humana, visto que a prática constante da valoração é uma das condições inerentes a esta. A tudo aquilo que observamos ou sentimos atribuímos imediatamente um valor e é este que irá guiar as nossas futuras acções relativamente ao objecto valorado. No entanto, à medida que a nossa experiência valorativa aumenta, rapidamente nos apercebemos de que, perante um mesmo objecto, diferentes pessoas fazem diferentes valorações, consoante as suas preferências ou interesses. Por outro lado, certos objectos e situações parecem ser inerentes a um mesmo e único valor, independentemente do indivíduo que proceda a tal valoração. Esta divergência no que toca à natureza de um dos alicerces no qual assenta a existência humana conduz-nos assim a um verdadeiro e real problema filosófico, cujas múltiplas e indefinidas respostas este texto se propõe a analisar e esclarecer.
Em primeiro lugar, é fundamental evidenciar a diferença que se estabeleceu entre as definições de facto e valor. Todos os homens, na sua vida quotidiana, expressam constantemente os seus sentimentos e sensações relativamente aos objectos, situações e pessoas com os quais estão em contacto. Porém, nem todos os juízos a que recorremos para dar voz às nossas vivências interiores se tratam efectivamente de valorações. Quando descrevemos algo de uma forma clara e objectiva, independente de quaisquer preferências ou apreciações estamos a realizar um juízo de facto, o qual não deve ser confundido com juízo de valor, que se reporta a avaliações subjectivas da realidade, não verificáveis empiricamente.
Esta distinção mostra-nos assim a subjectividade à qual os valores estão vulgarmente associados, devido às divergências de valorações. Contudo, existem também indícios no nosso quotidiano que nos levam a crer na objectividade dos valores, e é esta antítese que constitui a essência do problema da natureza dos valores. Afinal, serão os valores subjectivos e portanto totalmente dependentes da existência humana e dos gostos e interesses de cada um, ou objectivos, com uma existência exterior e independente da mente humana? Analogamente, poderíamos questionar: será que as coisas valem porque as desejamos ou desejamo-las porque valem?
Em resposta a este complexo e filosófico problema surgiram então três diferentes definições de valor, que procuram explicar as provas e indícios encontrados na nossa vida do dia-a-dia à luz de determinada teoria, que irá assumir os valores como objectivos ou subjectivos.
A perspectiva que talvez se enquadre melhor na crença comum da subjectividade dos valores é designada por psicologismo. De acordo com esta definição, o valor é uma vivência exclusivamente pessoal, correspondendo ao sentimento ou emoção, resultante do nosso estado psicológico, que determinado objecto provoca em nós e que apenas depende das nossas preferências, dos nossos interesses e da nossa experiência valorativa. Os valores são assim meramente subjectivos, sendo aceitáveis quaisquer juízos de valor, na medida em que estes expressam diferentes visões da realidade.
No entanto, a defesa exclusiva da subjectividade dos valores não é de modo algum compatível com os fundamentos da sociedade actual. Sem a convicção de uma objectividade, ainda que parcial, dos valores, como se poderia castigar qualquer tipo de crime ou acção injusta? Ou até porque havíamos nós de confiar no que a ciência nos revela? Todas as justificações não passariam de diferentes pontos de vista, dependentes das visões de diferentes sujeitos. A distinção entre teoria bem fundada e opinião irresponsável confundia-se com uma simples diferença entre dois modos diferentes de olhar o mundo.
Além disso, apoiando esta posição, como se poderia explicar a permanência dos mesmos valores ao longo de diferentes épocas históricas e entre diferentes povos que nunca comunicaram entre si? Ao fim de contas, os valores seriam apenas fruto da experiência pessoal e esta é completamente irrepetível.
Portanto, apesar desta perspectiva ser apoiada pelas divergências de valorações relativamente a alguns objectos, parece evidente a existência de alguma objectividade inerentes aos valores. Aliás, porque até as leis da nossa sociedade se baseiam nesta objectividade.
Relacionada também com o psicologismo existe uma outra perspectiva filosófica designada por emotivismo, que entende os valores como expressões das nossas emoções, sentimentos e atitudes. Obviamente que esta posição, aproximando-se bastante da referida anteriormente comporta os mesmos argumentos e contra- -argumentos.
Se assumirmos a objectividade dos valores, deparamo-nos com duas outras definições de valor, nomeadamente o naturalismo e o ontologismo.
A primeira define os valores como qualidades intrínsecas a todas as coisas, o que justifica o consenso existente em tantas valorações. De facto, sempre que se depara com situações de violência domésticas, pedofilia, escravatura e outros múltiplos crimes, a maioria das pessoas reage negativamente, avaliando estas práticas como intoleráveis, absolutamente injustas e de uma extrema crueldade. Nestes exemplos, as próprias situações parecem estar elas próprias associadas a valores de maldade e injustiça. Mesmo no âmbito da estética, muitas obras de arte parecem transportar em si mesmo a beleza e a harmonia, sendo universalmente consideradas como belas e graciosas.
Todavia, os argumentos utilizados a favor do psicologismo, que se baseavam nos desacordos entre as pessoas quanto à valoração de um mesmo objecto, podem agora constituir os contra-argumentos ao naturalismo. Apesar desta ser uma tese bastante plausível apoiada não só por factos verídicos mas também por convicções da sociedade, a verdade é que ela não consegue explicar as divergências de valorações relativamente a determinados objectos. Além do mais, também não nos é possível observar directamente as qualidades que se julgam intrínsecas aos objectos nos próprios objectos.
Finalmente, uma terceira e última posição conhecida como ontologismo define os valores como ideias independentes dos objectos, que existem num mundo imaterial, diferente do mundo real e humano. O mais antigo representante desta teoria foi precisamente Platão, o qual acreditava na existência de um “mundo das ideias”, onde todos os valores e conceitos assumiam uma forma ideal, perfeita e imutável. Uma vez que Platão pressupunha a imortalidade da alma, ele julgava que, antes de reencarnar num corpo físico, esta tinha tido a oportunidade de contemplar frente a frente as ideias que habitavam este mundo inteligível e imaterial. Contudo, na reencarnação, a alma tinha baralhado muitas das ideias, relembrando-as de uma forma algo confusa e enevoada, o que justica as diferenças de valoração encontradas neste mundo sensível e físico.
Apesar desta perspectiva apresentar aparentemente uma justificação para todos os factos de que temos conhecimento, o certo é que não conseguimos provar nem a existência de tal mundo imaterial nem a existência de uma alma imortal. Actualmente, o ser humano ainda não consegue conceber a coexistência de dois mundos distintos (o físico e o imaterial), razão pela qual o ontologismo se nos afigura uma perspectiva tão fantástica.
Como vimos, todas estas definições de valor, sendo mais ou menos plausíveis, comportam certas falhas, que mantêm a problematicidade desta questão. Assim, na tentativa de encontrar uma solução definitiva para este problema, criou-se uma outra posição denominada por relativismo axiológico. Segundo esta perspectiva, o valor não é objectivo, nem puramente pessoal. Ele é, pelo contrário, uma vivência colectiva, produto dos costumes e tradições de uma mesma cultura e sociedade. Assim, os valores estão dependentes da época histórica e da cultura, sendo partilhados por todos os indivíduos que nelas estejam inseridos.
Se é verdade que, por um lado, não podemos negar que os valores acompanham as culturas das sociedades humanas, por outro, existem certos valores que se encontram presentes em diferentes épocas históricas, facto este que serve de crítica ao relativismo axiológico.
Com tudo isto, o problema da natureza dos valores continua por resolver, revelando-se um verdadeiro problema filosófico. De facto, ele possui todas as características inerentes aos problemas filosóficos: é intemporal, na medida em que tem mantido a sua pertinência ao longo dos tempos; é universal, pois diz respeito a todos os homens independentemente da sua cultura ou época histórica; é problemático, pois como vimos não tem ainda uma solução absolutamente correcta e definitiva; e é radical, uma vez que procura esclarecer um dos fundamentos em que assenta a realidade.
Para finalizar, gostaria ainda de salientar uma outra vertente problemática dos valores, que diz respeito à sua hierarquização. Para nos orientarmos na vida, todos nós somos obrigados a construir uma escala de valores, que irá condicionar as nossas acções e decisões. No entanto, nem todos ordenam os valores da mesma maneira, o que pode trazer graves consequências à sociedade. Um indíviduo que tenha na base da sua hierarquia o valor do respeito pela vida humana constituirá certamente uma ameaça para os seres humanos que o rodeiam, da mesma forma que um indivíduo que privilegie o valor do dinheiro poderá ser capaz das maiores atrocidades só para poder enriquecer.
Em suma, a temática dos valores é bastante problemática devido a todas as incertezas que ainda persistem relativamente à sua natureza e correcta hierarquização. A meu ver, há determinados valores que poderão ser entendidos como subjectivos, mas a maior parte é caracterizada por uma intensa objectividade. Os valores da justiça e do bem ilustram claramente esta independência dos valores em relação às opiniões de diferentes sujeitos. Seguindo este raciocínio, também existe, de algum modo, uma hierarquia de valores mais correcta, que deveria servir como modelo. Ainda que alguns valores possam ocupar posições diferentes noutras hierarquias, os valores éticos e úteis, por exemplo, devem sempre constituir o topo e a base da pirâmide, respectivamente. A acrescentar a esta problematicidade inerente à definição de valor, temos ainda o papel fundamental que os valores têm na vida humana. Estes tornam a vida algo digno de ser vivido e é isso que lhes confere uma grande problematicidade.